sexta-feira, 31 de maio de 2013

O "Inferno" de Dante, revisitado pelo simbologista mais famoso do mundo

Robert Langdon está de volta em mais um passeio pela cultura ocidental e seus símbolos. E seu criador, Dan Brown, se consolida como o Ronald McDonald da literatura. Seus livros repetem sempre a mesma fórmula pasteurizada, mas são deliciosos, alimentam e você nunca enjoa.

Desta vez, Langdon acorda num hospital em Florença sem se lembrar de absolutamente nada das últimas 72 horas, devido a um ferimento sofrido na cabeça. A trama se desenvolve a partir deste ponto, enquanto o protagonista tenta descobrir porque está em Florença, e porque todos, inclusive seu próprio governo, querem vê-lo morto.

Os mesmos elementos das histórias anteriores estão presentes, tão iguais que Dan Brown poderia até mesmo patentea-los. Em lugar de Sophie Nouveau (de “O Código Da Vinci”), entra a médica Sienna Brooks, que guiará Langdon pelas ruas de Florença e Veneza enquanto lutam contra uma conspiração para exterminar metade da humanidade. Ao invés do Cardeal Aringarosa, entra o “Diretor”, chefe de um grupo internacional ultrassecreto conhecido como “Consórcio”, que provê serviços de legalidade duvidosa a quem esteja disposto a pagar por eles. O próprio Consórcio faz as vezes de uma espécie de maçonaria ou outra das sociedades secretas que povoam as páginas dos outros livros do mesmo autor, enquanto que uma assassina profissional e tenaz entra no lugar do albino Silas, que havia perseguido Langdon por todo o Velho Continernte em “O Código da Vinci”.

Se o filme “Código da Vinci” havia definitivamente sofrido de problemas de transposição da obra escrita para as telas (o que dizer da cena em que Langdon decifra a “keystone” como se estivesse jogando um videogame em forma de holograma?), em “Inferno” o autor aparentemente incorporou a linguagem cinematográfica em sua obra escrita. O livro começa com uma perseguição vertiginosa pelas ruas de Florença, digna de "Uma Saída de Mestre" (Italian Job, 2003), e quando o leitor precisa saber mais sobre Sienna Brooks, Langdon simplesmente acha sobre a escrivaninha da médica um dossiê que conta toda sua vida desde o nascimento, com fotos e ilustrações. Quem elabora e larga casualmente sobre a mesa um dossiê sobre sua própria vida? O recurso é eficaz e nos poupa de várias páginas de narrativa e diálogo, mas ao mesmo tempo passa a impressão de uma certa preguiça do autor em desenvolver um pouco melhor o tema.

O protagonista fica mais humano com algumas pérolas lançadas pelo autor ao longo do texto: mais do que um renomado professor de Harvard, Robert Langdon gosta de Lorena Mckeenit (pior pra ele), lê livros de Ross King e gosta dos filmes de Diane Lane. A tradução tem problemas pontuais (o manual de anatomia de Henry Grey, que dá nome a um famoso seriado, virou “Anatomia de Grey’s”), mas nada que atrapalhe.

Assim como acontece com os outros livros de Dan Brown, a abundância de referências visuais é fantástica. É difícil não parar a leitura a cada 5 minutos para buscar na Internet imagens dos locais e obras de arte descritos nas páginas do livro. Da mesma forma, é gratificante a sensação de descobrir “segredos” desses mesmos locais e obras, sob a direção de um professor de Harvard com um conhecimento enciclopédico sobre a matéria. Suspeito que a maior parte do conhecimento contido nas páginas do livro possa ser garimpado no Google, mas certamente sem a narrativa agradável e contextualizada proporcionada por uma obra de ficção bem escrita. Sem mencionar a vontade de reler a “Divina Comédia” de Dante sob uma nova perspectiva, ou mesmo o “Decamerão” de Boccacio, que se passa durante o período da Peste Negra na Europa.

A trama em si não é original. Quem já leu “Rainbow Six”, de Tom Clancy, vai se sentir à vontade com a temática, frouxamente baseada em alguma ciência (apenas o suficiente para conferir alguma verossimilhança). As teorias já refutadas de Thomas Malthus são resgatadas, juntamente com dados estatísticos mais recentes que confirmam que estamos à beira de uma crise demográfica com potencial de aniquilar a espécie. Numa boa coluna publicada na Folha de São Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2013/05/1286803-somos-muitos-ou-somos-poucos.shtml), Contardo Calligaris cita estudos indicando que o quadro, na verdade, é o oposto disso (as taxas de natalidade estão em queda, e há certos governos, inclusive, que dão incentivos a casais que resolverem ter filhos). De qualquer forma, me arrisco a dizer que, em que pese a história ser movida por uma ameaça de bioterrorismo em escala planetária, o que impele o leitor ao fim é a viagem pela paisagem de Florença e, mais tarde, Veneza, com inúmeras referências a seus personagens históricos.


O final reserva ao leitor a reviravolta também já típica dos romances do autor. Pra não estragar nada, basta dizer que o desfecho é mais do satisfatório pra quem curtiu “O Código da Vinci” e “Anjos e Demônios”. Pra quem gostou desses, leitura recomendada.

domingo, 26 de maio de 2013

Falta de originalidade nos filmes de ação?

Acabei de assistir Star Trek - Além da Escuridão, e, bem - é mais um daqueles filmes em que você vai ao cinema esperando uma coisa e se depara com outra. Pra mim, isso começou com Skyfall. Sou fã incondicional dos filmes do James Bond, mas "Casino Royale", de 2006, definitivamente trouxe o personagem criado por Ian Flemming em 1953 para a nossa época. Num mundo meio niilista, pós-guerra fria, sem heróis nem vilões claramente estabelecidos, você espera que um agente secreto seja um assassino frio e com poucos escrúpulos. Como um Jason Bourne mais bem vestido. "Quantum of Solace", apesar do título brega, manteve a mesma pegada.

Aí veio Skyfall, e de repente Daniel Craig era de novo uma espécie de Roger Moore, com um vilão afeminado que faz luzes no cabelo. Admito que minha opinião é isolada, porque o filme está entre as 10 maiores bilheterias da história, e é sucesso de crítica. Mas eu passava sem aquela jogadinha de chapéu (quem usa chapéu hoje em dia?) e a cantada barata em cima da Moneypenny.

A segunda "decepção" veio com Homem de Ferro 3. A Marvel definitivamente fez um marketing promovendo um filme mais sombrio, explorando mais os conflitos e as escolhas psicológicas do personagem. O que veio foi só mais um blockbuster. Não que isso seja ruim. Ninguém despreza um filme de ação bem feito. E o que mais esperar de um filme baseado em HQ? Só que a Marvel prometeu mais. De quebra, quebraram a série de excelentes trilhas sonoras regadas a AC/DC e Black Sabbath (aquilo no começo do filme era música eletrônica?), acabaram com um dos vilões mais queridos de quem acompanhava o personagem nos quadrinhos, e inseriram a mais dispensável cena pós-crédito de todos os filmes da Marvel até aqui. Mais uma vez, minha opinião é isolada - o filme já está entre as 5 maiores bilheterias da história. Mas você aproveitará melhor o filme se tiver vinte e poucos anos do que mais de 30, como é o meu caso.

E aí chegamos a "Além da Escuridão". O filme todo é feito com muito esmero, desde a fotografia até os efeitos sonoros. O acabamento em si é impecável. Só não sei se o objetivo do diretor JJ Abrams (o mesmo de "Lost", e que já está contratado para a sequência de "Star Wars") era criar um território conhecido para os fãs da série, ou se faltou mesmo originalidade. Um artigo publicado no Medium por Esten Hurtle destaca a falta de imaginação nos gadgets mostrados no filme (https://medium.com/adventures-in-consumer-technology/7e7dc993b4fd). "Everyone in the movie walks around carrying an iPad. They have heads-up displays projected on glass. They talk to each other on cell phones. For a series that inspired a generation of engineers to go out and make these incredible things they saw on TV, it’s hugely disappointing to see this big-screen admission that they’ve run out of ideas." Em suma, ao que parece, nós já estamos usando a tecnologia de 200 anos adiante... O filme acabou de estrear então não vou contar detalhes da história, mas há mais momentos de "deja-vù" do que seriam recomendados.

É bom dizer, os 3 filmes citados são muito bons, principalmente pra quem gosta e acompanha as respectivas franquias. Mas os 3 padecem da mesma sina: são herdeiros de uma tradição, o que, por si só, gera enorme expectativa, incentivada pela propaganda dos estúdios. E, em que pesem os méritos de cada um, não entregam o prometido.