Robert
Langdon está de volta em mais um passeio pela cultura ocidental e
seus símbolos. E seu criador, Dan Brown, se consolida como o Ronald
McDonald da literatura. Seus livros repetem sempre a mesma fórmula
pasteurizada, mas são deliciosos, alimentam e você nunca enjoa.
Desta
vez, Langdon acorda num hospital em Florença sem se lembrar de
absolutamente nada das últimas 72 horas, devido a um ferimento
sofrido na cabeça. A trama se desenvolve a partir deste ponto,
enquanto o protagonista tenta descobrir porque está em Florença, e
porque todos, inclusive seu próprio governo, querem vê-lo morto.
Os
mesmos elementos das histórias anteriores estão presentes, tão
iguais que Dan Brown poderia até mesmo patentea-los. Em lugar de
Sophie Nouveau (de “O Código Da Vinci”), entra a médica Sienna
Brooks, que guiará Langdon pelas ruas de Florença e Veneza enquanto
lutam contra uma conspiração para exterminar metade da humanidade.
Ao invés do Cardeal Aringarosa, entra o “Diretor”, chefe de um
grupo internacional ultrassecreto conhecido como “Consórcio”,
que provê serviços de legalidade duvidosa a quem esteja disposto a
pagar por eles. O próprio Consórcio faz as vezes de uma espécie de
maçonaria ou outra das sociedades secretas que povoam as páginas
dos outros livros do mesmo autor, enquanto que uma assassina
profissional e tenaz entra no lugar do albino Silas, que havia
perseguido Langdon por todo o Velho Continernte em “O Código da
Vinci”.
Se
o filme “Código da Vinci” havia definitivamente sofrido de problemas de
transposição da obra escrita para as telas (o que dizer da cena em
que Langdon decifra a “keystone” como se estivesse jogando um
videogame em forma de holograma?), em “Inferno” o autor
aparentemente incorporou a linguagem cinematográfica em sua obra
escrita. O livro começa com uma perseguição vertiginosa pelas ruas
de Florença, digna de "Uma Saída de Mestre" (Italian Job, 2003), e quando o leitor precisa saber mais sobre Sienna
Brooks, Langdon simplesmente acha sobre a escrivaninha da médica um
dossiê que conta toda sua vida desde o nascimento, com fotos e ilustrações. Quem
elabora e larga casualmente sobre a mesa um dossiê sobre sua própria
vida? O recurso é eficaz e nos poupa de várias páginas de
narrativa e diálogo, mas ao mesmo tempo passa a impressão de uma
certa preguiça do autor em desenvolver um pouco melhor o tema.
O
protagonista fica mais humano com algumas pérolas lançadas pelo
autor ao longo do texto: mais do que um renomado professor de
Harvard, Robert Langdon gosta de Lorena Mckeenit (pior pra ele), lê livros de
Ross King e gosta dos filmes de Diane Lane. A tradução tem
problemas pontuais (o manual de anatomia de Henry Grey, que dá nome
a um famoso seriado, virou “Anatomia de Grey’s”), mas nada que
atrapalhe.
Assim
como acontece com os outros livros de Dan Brown, a abundância de
referências visuais é fantástica. É difícil não parar a leitura
a cada 5 minutos para buscar na Internet imagens dos locais e obras
de arte descritos nas páginas do livro. Da mesma forma, é
gratificante a sensação de descobrir “segredos” desses mesmos
locais e obras, sob a direção de um professor de Harvard com um
conhecimento enciclopédico sobre a matéria. Suspeito que a maior
parte do conhecimento contido nas páginas do livro possa ser
garimpado no Google, mas certamente sem a narrativa agradável e
contextualizada proporcionada por uma obra de ficção bem escrita.
Sem mencionar a vontade de reler a “Divina Comédia” de Dante sob
uma nova perspectiva, ou mesmo o “Decamerão” de Boccacio, que se
passa durante o período da Peste Negra na Europa.
A
trama em si não é original. Quem já leu “Rainbow Six”, de Tom
Clancy, vai se sentir à vontade com a temática, frouxamente baseada
em alguma ciência (apenas o suficiente para conferir alguma
verossimilhança). As teorias já refutadas de Thomas Malthus são
resgatadas, juntamente com dados estatísticos mais recentes que confirmam que
estamos à beira de uma crise demográfica com potencial de aniquilar a espécie. Numa boa
coluna publicada na Folha de São Paulo
(http://www1.folha.uol.com.br/colunas/contardocalligaris/2013/05/1286803-somos-muitos-ou-somos-poucos.shtml),
Contardo Calligaris cita estudos indicando que o quadro, na verdade,
é o oposto disso (as taxas de natalidade estão em queda, e há
certos governos, inclusive, que dão incentivos a casais que
resolverem ter filhos). De qualquer forma, me arrisco a dizer que, em
que pese a história ser movida por uma ameaça de bioterrorismo em
escala planetária, o que impele o leitor ao fim é a viagem pela
paisagem de Florença e, mais tarde, Veneza, com inúmeras
referências a seus personagens históricos.
O
final reserva ao leitor a reviravolta também já típica dos
romances do autor. Pra não estragar nada, basta dizer que o desfecho é mais do satisfatório
pra quem curtiu “O Código da Vinci” e “Anjos e Demônios”. Pra quem gostou desses, leitura recomendada.
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