quarta-feira, 5 de junho de 2013

Estamos todos nos escondendo por trás dos nossos "Gorila Glass"

Texto de autoria de John Moore Williams, originalmente publicado em https://medium.com/i-m-h-o/230261a4c170.

A tradução é minha e sem qualquer compromisso ou garantia.

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Houve um tempo em que eu visitava sua casa ou apartamento, e só de dar uma olhada em volta, em prateleiras de livros, racks de CDs, caixas de LPs, etc., se aprendia um monte de coisas sobre você.

Aquelas pilhas desarrumadas ao lado da sua cama ou mesa de café, os gabinetes de vidro onde as fitas VHS se organizavam sozinhas como espinhas de falsos livros, tudo isso se comunicava comigo. Me diziam se você gostava mais de novelas baratas ou tratados profundos; me diziam pra esperar jazz durante o jantar, uma sobremesa psicodélia, ou Philip Glass juntamente com uma taça de Porto. Essas embalagens com frente de vidro me diziam se eu deveria sugerir alguma agitação após o jantar ou, ao invés, uma leitura – ou talvez algumas rodadas de 21.

Essas coisas me diziam isso tudo abertamente. Os livros gritavam de suas prateleiras empoeiradas, os discos convidavam a uma mexida em suas capas amarrotadas. Os filmes e Cds colaboravam numa história pessoal de mídia.

Houve um tempo em que esse passeio era minha primeira prioridade ao visitar uma nova casa. Claro, a conversa fluía ou congelava enquanto eu embarcava em minhas pesquisas; era importante que você soubesse que eu não pretendia consumi-la como um sujeito passivo. Suas prateleiras de livros e Cds não eram como frios instrumentos de metal numa sala cirúrgica: eram trampolins, fases em que as várias atrizes em você lutavam e se empenhavam, cada uma tentando dar início a uma nova tangente conversacional. Mas tudo isso estava lá, me convidando para me sentar e consumir, ou dar um passo adiante no palco para o nosso diálogo.

E a cada momento eu sabia que isso tudo eram atuações mais ou menos conscientes, frutos de cuidadosas considerações. Como a reforma de uma casa ao contrário, isso tudo dizia respeito a uma identidade que você estava disposta a compartilhar confortavelmente. Os Foucaults ou Derridas na sala de estar se ajustam à decoração, mas lá estavam eles, convidando a questionamentos ou exclamações de “ó, eu também gosto deste!”

Chegou o tempo, contudo, em que estas máscaras se quebraram, os livros se estragaram, rasgados; se foram.

Para serem substituídos, claro, mas pelo quê? Camadas brilhantes de Gorilla Glass; telas de toque que oferecem o melhor tempo de resposta, marcadas apenas pela quase invisível marca dos seus dedos; superfícies mudas e elegantes, nada traindo a um olhar, além da promessa de um conteúdo vasto – e a garantia de que isso é uma parede, uma porta trancada.

Agora, eu preciso pedir sua permissão para mergulhar na sua coleção de música, sua “e-ink”, seus jogos. Você precisa me emprestar a senha, ou destravar a experiência para mim. E isso é apenas se eu tiver coragem de pedir, uma vez que o tesouro de dados por trás desse vidro representa mais do que uma coleção de mídia. Entre ligações e mensagens de texto enviadas e recebidas, entre as contas de e-mail permanentemente abertas, e entre redes sociais de livre acesso, você assume grandes riscos ao me deixar passar pela tela de travamento. Nós centralizamos nossas vidas nesses pequenos caixões, e colocá-los nas mãos de outras pessoas é um mergulho suicida, um ato de tremenda confiança.

Cada vez menos o indivíduo ocupa um espaço ou espaços, espaços que o Google já pode mapear. O glorioso indivíduo diminuiu facilmente para caber num bolso. E o que ele mostra não é mais uma estética pessoal, mas um relacionamento de marca, uma identidade fundada na relação não com a rica história de criatividade humana, mas com a indústria tecnológica multinacional.


Não me entenda mal – eu amo meus equipamentos eletrônicos. Mas nunca deveríamos esquecer do que perdemos quando ganhamos. E é problema nosso encontrar outras formas de nos externalizar de forma segura.

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